UM RETRATO


Florbela era filha de um fotógrafo, por isso é tão rica a sua iconografia. João Espanca, seu pai, fazia de Florbela a musa preferida. Ela adorava as poses: pérolas falsas enfeitando o pescoço, estola de pele de raposa sobre os ombros, semblante grave à Pola Negri, quase sempre não sorria, olhar vago, de um verde-água traído pelo preto e branco dos retratos da época.

Depois do pai, tantos outros, a modos diversificados, pintaram um retrato da poetisa. Não faltou quem acentuasse um defeito ou uma qualidade, até criaram novos matizes para enfeitar a imagem que queriam destacar. Amada e temida como as sereias, seu canto poético seduziu e irou um pequeno país, espremido entre o mar e a montanha, no início do século XX.

Às vésperas do centenário do seu primeiro livro de poemas, o Livro de Mágoas, de 1919, qual retrato pode-se apreender hoje de Florbela?

A dimensão artística da palavra lhe deu o condão de resistir à voragem do tempo e este, senhor de todas as respostas, apagou tantos traços irresponsavelmente sobrepostos ao retrato da escritora.

Dessa maneira, não é mais possível (nem salutar) a constituição de perfis apenas díspares, pois com o passar dos anos, como um vinho que ganha sabores e aromas complexos, depreenderam-se da obra e da vida de Florbela diversas maneiras de apreensão: de uma fatura literária relativamente curta e de uma vida (abreviada de maneira precoce, infelizmente!) imbrincada nas palavras que escreveu sobressaíram perspectivas variadas e ricas, como a questão da emancipação feminina, das engrenagens de uma escrita calcada em si, do trabalho voltado à tradução literária, do diálogo e ruptura com a Tradição, de um erotismo pulsante e uma dor plangente, da irmanação geográfica com a terra natal, bem como certo atavismo cultural de uma saudade eminentemente lusitana... tudo isso amalgamado num conjunto literário que rendeu à Literatura Portuguesa um acervo dos mais belos versos já escritos nas Terras d’Além Mar.

Portanto, essa multiplicidade caleidoscópica está retratada nos ensaios colecionados neste número da Revista 7faces em homenagem à Florbela Espanca. Agradeço a Pedro Fernandes a oportunidade de se construir, em momento extremamente oportuno, um belo, justo e variado retrato da poetisa, na observação crítica da riqueza da sua obra e na contemplação da beleza da sua escrita. Viva Florbela!

Jonas Leite
Coorganizador

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