
“O poeta
inventa viagem, retorno, e sofre de saudade”
Hilda Hilst
Entre os
nomes ousaram intervir com os chamados temas pouco poéticos – e por isso as
observações desenvolvidas até aqui – está o de Hilda Hilst; talvez por essa
razão e porque não se interessou pactuar com determinados grupos do Olimpo
(leiam a expressão com a máxima de ironia possível), a poeta também está no rol
daqueles cuja obra melhor ficaria se caída no esquecimento. Contra essa última
imposição podemos pensar na saída construída por ela: passar-se pelo que não
era (ou será que era?) a fim de enquanto se desfazia da voz comum que rebaixava
seu trabalho se mostrava igualmente como as outras já ingressadas por toda
sorte de subterfúgios ao panteão dos sacrossantos. Essa posição é arriscada e
não serve aos fracos, aos que se encantam pelo bruxulear da fama do bem-aceito
e esquecem do lugar devido do poeta – o não-lugar. Hilda fez-se em trânsito e
construiu aberturas para ruir com o interesse escuso da crítica conveniente e
conivente que zelou por jogá-la no limbo.
O poeta é e
não é homem do seu tempo. Sabe de quais materiais molda seu universo. É porque
não é possível se desfazer das obsessões que lhe tomam no momento de
composição; não é porque, mesmo expondo às claras os motivos do seu tempo,
estes não são sorvidos à sua maneira pelos leitores imediatos. Isso justifica a
perenidade de determinadas obras; justifica o caso de redescoberta da poesia de
Hilda Hilst. É o processo de contínua leitura motivado em parte pela exposição
escusa da crítica de seu tempo quando não o silêncio em torno da sua obra –
silêncio lido pela poeta como o pior dos castigos da musa contra o trabalho do
poeta, silêncio que sempre foi preenchido pelas banalidades produzidas por
outros poetas – que faz finalmente sua obra alçar outra dimensão da sua obra na
e para a literatura recente.
Não se trata
isso de reconciliação do centro com os das margens – porque além dessas duas
dimensões possuir suas limitações, sobretudo a segunda, a releitura de uma obra
nem sempre é feita com o interesse de corrigir a visão deturpada de um tempo. É
porque finalmente é feita uma leitura coerente e não sentencial de sua obra.
Nesse momento parece que sempre ouviremos ela nos dizer, “fico besta quando me
entendem”. E, afinal, pode nem ser entendimento somente; é que obedecendo certa
posição repetível entre os grandes, Hilda esteve em contato com as vozes de um
tempo porvir, ainda que este tempo de hoje ora pareça tão mais retrógrado,
corrompido, coberto por uma espessa camada de fumo com elementos do pior da
civilização. E esta não é uma posição pessimista; é somente uma constatação do
próprio malgrado humano lido pela poeta em “Poemas aos homens de nosso tempo”.
Da extensa e
multifacetada obra de Hilda Hilst, a poesia, tal como sua prosa, esteve
interessada em expor, dentre outras questões ou temas, os conflitos centrais
entre sujeito mundo e os discursos sempre apresentados como acabados ou
não-sensíveis ao campo do poeta; tal posição está em consonância com o que se
esperava da obra de um poeta do seu tempo, mas, tudo se filia a uma condição
marcadamente única só possível de ser realizada através de uma escrita
interessada no trabalho não de permanência mas de desestabilização das
trivialidades. Devemos a Hilda sua perspicácia e inteligência em afastar-se da
mesmidade dos temas no interesse de uma obra autossuficiente; que fez da
contradição e dos rigores estabelecidos dos discursos matéria vital para sua
poesia – coragem dispensada em muitos poetas e utilizada com o vigor necessário
na construção de uma obra desde sempre igualmente necessária.
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