"O poema essa
estranha máscara mais verdadeira do que a própria face"
Mário
Quintana
O mundo
contemporâneo tem passado por movimentos diversos que encareceram o modo de
existir dos sujeitos. Tanto é verdade que o fantasma encarnado na palavra
“crise” tem sido o que hoje a tudo povoa. A consolidação das primeiras marcas
desse fenômeno de crise, surgido pela soma de uma série de episódios, se dá,
sobretudo, por aqueles elementos desencadeados da Primeira Guerra Mundial
(1914-1918). Sem dúvidas, as transformações que este episódio, em particular,
trouxe ao mundo não se resume apenas à modificação das linhas espaciais do
continente físico europeu e as subjetivas dos indivíduos (dos seus modos de
agir e ser), mas, feito rastilho de pólvora, se alastra e contamina o mundo
todo e todos os setores; no terreno da arte não foi diferente: também as
transformações se fizeram marcantes. Lembremo-nos dos movimentos da chamada era
moderna que solavancaram esse território introduzindo novas temáticas, novas
formas de uso da arte e novos modos e usos da linguagem.
É nesse
contexto de modernidade que o ano de 1927 será, como um marco, significativo
para a cidade do Natal. Pela época o eixo Rio-São Paulo lia Primeiro caderno do
aluno de poesia de Oswald de Andrade, de Oswald de Andrade, ou Clã do jabuti,
de Mário de Andrade, dois dos principais precursores do movimento modernista no
País e duas obras símbolo dessa nova maneira de fazer e entender arte
literária. O motivo de tal importância desse ano é que por aqui, também como no
Centro-Sul, se assistia a publicação de um livro inusitado, tanto na forma (86
páginas, 15X21, em forma de caderno de desenho e impresso em papel barato tipo
de jornal) quanto no conteúdo (portando singelos quarenta poemas). E ainda
vinha com um título inusitado, Livro de poemas de Jorge Fernandes. Tudo isso,
aos olhos do nosso provincianismo causou, certamente, estranhamento e, por que
não, celeuma no meio artístico, ainda, de certo modo, encantado com os versos
primaveris exalando o perfume da rima perfeita.
A poesia de
Jorge Fernandes inaugura por cá aquilo que já se operava com grande veemência
pelo Sudeste. De modo que é uma poesia significativa porque rompe com a
estética perfeita e bem desenhada do parnasianismo e vem apresentar que o
exercício poético é mais do que “escrever versos metrificados/ contadinho nos
dedos”, mas uma labuta constante que se apropria da matéria do próprio
cotidiano e da língua corriqueira para refundar novas maneiras e usos da
linguagem; o entendimento de que no poema se fundam novos territórios e novas
dimensões do pensar e do existir; o poeta cria para si um mundo à parte (uma
máscara, para uso dos versos de Mário Quintana) que lhe outorga fins mais puro
e mais verdadeiro do que a própria realidade. Em Jorge Fernandes são elementos
materiais da modernidade – as máquinas das fábricas, os automóveis, a
velocidade, a imagem, a visualidade sonora, e os aviões, sobretudo (está aí o
motivo da capa desta edição).
Além de toda
essa importância para o cenário da Literatura no Estado, e esse será outro motivo
pelo qual sai esta edição em homenagem ao poeta, ano passado foi publicada uma
belíssima edição reunindo toda a produção de Jorge Fernandes; trata-se do livro
Jorge Fernandes – o viajante do tempo modernista, organizado, em mais de trinta
anos de pesquisa, pela professora Maria Lúcia de Amorim Garcia. Tal empreitada
da professora reinaugura o olhar para a obra-prima de Jorge Fernandes e
apresenta-nos outras faces do poeta e do fazer-se poeta. Logo, o nome de Jorge
Fernandes constitui, peça fundamental a que esse caderno registra em homenagear
na sua segunda edição: um poeta dono de um espírito moderno, que redescobre o
poder da palavra; um poeta para uma era ainda mais sofisticadamente moderna e
novamente ressignificado na corrente literária do Rio Grande do Norte.
Pedro
Fernandes
editor
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